quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Implantando a democracia pura, ou Anarco-tecno-democracia

        A sociedade está em constante evolução, e em constante revolução. A popularização de computadores, seguido da internet, seguido de discussões sobre direitos e deveres da vida digital, abre novos horizontes.

        A maioria das sociedades mundiais vivem sob um regime de Democracia. Mas é uma democracia representativa. Por definição, democracia "é um regime em que o poder de tomar decisões está com o povo". Mas na verdade, os três poderes da nação brasileira são exercidos por representantes do povo. Nos casos do legislativo e do executivo, estes representantes são escolhidos democraticamente, mas ainda assim o poder de tomar decisões não está com o povo, e sim com seus representantes. No caso do judiciário, pior ainda: o povo não participa de forma democrática nem diretamente nem indiretamente. Existe uma razão muito simples para não termos uma democracia direta, ou democracia pura. Seria impraticável que toda a população de um país, ou de um estado, ou mesmo de uma cidade, participasse de todas as decisões. Passar pelo processo atual de tomada de decisão (votação, plebiscito, referendo), mesmo com a urna eletrônica, possui um custo muito alto, tanto de tempo quanto de esforço e dinheiro. Inviável para ser aplicado a todas as decisões do legislativo. Mas se fosse possível reduzir estes custos a um valor insignificante, o que nos impediria de ter a democracia pura?

        E aí chegamos na união das duas idéias. O fato é que com a inclusão digital, estamos cada vez mais próximos de termos todos os brasileiros com acesso à internet. E, tendo a estrutura adequada e o processo correto, seria possível permitir ao próprio povo tomar todas as decisões. Não digo que seja simples ou fácil irmos do ponto onde estamos até uma democracia direta. Só digo que é viável. Termos uma sociedade onde cidadãos comuns criam projetos de leis; onde boas idéias ganham notoriedade, e finalmente vão à votação; e onde todos participam diretamente em cada decisão. Substituir o legislativo por voto via internet é uma utopia realizável.

        Mas este tipo de evolução não acontece da noite para o dia. Ela vem aos poucos, em um processo, com muitos passos intermediários. E eu já consigo imaginar um possível caminho. Temos hoje na internet sites que colhem listas de assinaturas de forma informal, um mecanismo de pressão política sem nenhuma garantia. Temos também uma legislação que permite à iniciativa popular criar projetos de leis, tendo um número de assinaturas físicas. Em um primeiro momento, vejo estas duas coisas se unindo. Uma comunidade online comprometida, onde as pessoas criam leis e assinam virtualmente; uma vez atingido o número de assinaturas necessárias, basta "transformar" estas assinaturas virtuais em assinaturas reais (através de organização da comunidade). Um segundo passo seria legitimizar mais o processo, talvez oficializando a comunidade virtual junto aos TREs. O terceiro passo seria fazer com que estas propostas do povo, devidamente assinadas, se tornassem leis, ao invés de meros projetos de lei. Imagino que isto fosse necessitar uma quantidade maior de assinaturas; mais precisamente, talvez, uma quantidade igual à metade da população mais um. Sendo assim, isto poderia conviver com a criação de PLs, que exigiria menos assinaturas. Neste ponto já teríamos a Democracia Direta, embora colher tanta assinatura real ainda teria um alto custo. Com isto, permanece inviável termos Democracia Direta para todas as leis, adotando ela apenas para casos que a população julgue mais importantes. Num quarto passo, o cadastro das pessoas junto aos TREs tendo algum tipo de autenticação pessoal e intransferível pode eliminar a necessidade da assinatura física. Isto possibilitaria termos Democracia Direta para todas as leis. O último passo faltante é garantir que todas as pessoas tenham acesso a isto, coisa que na verdade provavelmente é o passo que estamos mais perto.

        Existem sim muitas dificuldades do segundo passo em diante. Mas como eu disse, este processo não é algo rápido. A própria maturação da idéia e do modelo dão tempo suficiente para que se possa discutir e definir como conquistar cada etapa, resolvendo quaisquer entraves técnicos e políticos. Vejo tudo isto como um pequeno passo rumo a uma diminuição do papel do governo, este o lado "Anárquico" do título do post. Com a democracia direta podemos substituir muitas funções do legislativo, e algumas do executivo. Adicionando um pouco mais de tecnologia, quem sabe, poderíamos substituir também outras funções do executivo e quiçá muitas do judiciário. Possivelmente alcançaríamos uma anarquia por ausência do organismo "governo", não pela ausência de regras formais ou de instituições que façam valer estas regras (polícia, escolas, hospitais, um banco central, etc).

        Mesmo que tivéssemos a democracia direta, eu não acredito que fosse a democracia perfeita. Como disse Erika em seu blog, "vivemos em uma pseudodemocracia onde uma pequena parcela da comunidade tem o domínio dos meios de comunicação e acaba dominando ideologicamente a maioria que vota sem conhecer de fato seus direitos e deveres. (...) uma verdadeira democracia (...) pressupõe conhecimento(...). Se não for assim, a pessoa é facilmente manipulável." Para a democracia ser ainda melhor, as pessoas precisam de conhecimento daquilo no qual votam. Eu acredito nos benefícios da tecnocracia em muitos casos. E este modelo informatizado de democracia direta pode ajudar muito, diminuindo o custo de adquirir conhecimento. Imaginemos a votação de uma lei específica que depende de uma visão técnica. Esperar que toda a população adquira informação a respeito para dar o seu voto é inviável. No entanto, se tivermos o debate da "nata" instruída no assunto, expressando suas opiniões e motivos, simplificamos a equação. A grande parcela da população pode escolher, dentre os especialistas, em qual confia mais e qual opinião lhe parece a mais certa, e pode votar de acordo com isto. Teríamos uma democracia direta com ares de indireta, com semelhanças à democracia atual. MAS com uma diferença fundamental: cada eleitor e cada votação são únicos. Ou seja, para cada eleição, os especialistas são outros; cada eleitor escolhe qual especialista quer ouvir, dentre todos os possíveis, não apenas entre aqueles que "lançaram candidatura"; e cada eleitor é livre para adquirir mais informações do que a mera opinião do especialista. É apenas uma possibilidade a mais: a possibilidade de submeter o seu voto à opinião de um especialista de confiança. Não é nenhuma obrigação. De qualquer forma, o mero modelo de democracia direta é por natureza um alimentador de debates. Desta forma, as pessoas precisariam se esforçar muito para se manterem alienadas. Penso que a tendência em uma democracia direta é que o conhecimento flua através da sociedade, amenizando o problema exposto pela Erika. Mas não me iludo, sei que não resolveria totalmente.

De qualquer forma, existem outros passos antes de chegarmos lá. Mãos à obra? :)